Páginas

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A banalização do gosto feminino

  Dia desses, na recepção de um consultório, resolvi folhear uma revista qualquer, ao acaso. Peguei uma que custa baratinho e que fala, basicamente, de assuntos relacionados ao universo feminino.
  Percebi que a proposta de uma revistinha de dois reais não é boba, nem fraca e nem vazia, ela está fortemente articulada com a ideologia editorial de um grande grupo midiático, ou seja, outras revistas, jornais, TVs e portais cibernéticos de notícias.
  Pra mim, a intenção é clara, ela tenta transformar suas leitoras em bonecas cuidadosamente manipuladas. E o pior é que essa jogada consegue influenciar algumas pessoas.
  Enquanto lia, dei mais atenção aos discursos do que às notícias em si e vi que o importante é pregar o extremismo através da ideia do certo x errado ao se vestir, para que assim não restem dúvidas sobre o que comprar.
  Esse extremismo está enraizado na intolerância e no maniqueísmo, isto é, a revista não pode tolerar a ideia de uma leitora se vestir de maneira diferente daquela que está sendo sugerida. Dessa forma, o bem e o mal se tornam admissíveis no nosso dia a dia com um discurso macio e envolvente, querendo tornar o maniqueísmo um comportamento aceitável. Algo como: não use tal blusinha com calça jeans, vestida assim você não será bem vista em alguns lugares.
  Em outras palavras: você deve comprar o que estamos divulgando, senão ficará feia ou estará errada.
  Essa vontade doida de querer conduzir as leitoras por cores e padrões, que interessa ao mundo da moda, acaba tratando o gosto de cada mulher como algo descartável.
  O gosto de alguém não é um pacote fechado, um padrão limitado pelo certo e o errado, do qual você deva extrair apenas uma opção, nesse caso, a da revista. O gosto é um processo de escolhas, tentativas e experiências extremamente pessoais.
  A imposição do ponto de vista de uma redatora (micro) ou da ideologia editorial (macro), que inclui fabricantes de tecidos, confecções legais e clandestinas, redes de lojas e estilistas significa repreender a leitora, colocar limites na cidadã compradora, torná-la um ser sem personalidade, parte de uma pasta social homogênea.
  Somos iguais por sermos humanos e pára por aí. Somos diferentes por sermos únicos, de diferentes etnias, nacionalidades, estaturas, pesos, medidas e gostos. Não podemos ser, meramente, mais uma sardinha sem cabeça dentro da lata.
  A mulher não pode ser valorizada por ter esse ou aquele vestido ou sapato, ela precisa se valorizar e ser valorizada pelo que ela é, por ser cheirosa, carinhosa, fogosa, amorosa, atenciosa, gostosa, graciosa, vaidosa, cuidadosa e mais um monte de “osas” que a completa e torna o mundo melhor. E, depois disso, ser considerada uma consumidora, mas uma consumidora que tem gosto próprio.
  É preciso banir essa ideia fortemente consumista de "não tenho nada pra vestir". Isso leva a novas compras desnecessárias e, nessa hora, tentam fazê-las comprar o que não precisam ou na quantidades que não precisam.
  Esse mesmo discurso é facilmente encontrado em caderno de moda, de alguns jornais, em páginas da internet e em programas de TV criados especialmente para essa lavagem cerebral.
  Outro aspecto cruel e constante da revista é a comparação da leitora com mulheres famosas, como se todas leitoras fossem se tornar famosas um dia, como se houvesse espaço para todas serem famosas, como se a leitora fosse rica e tivesse tempo como as famosas, como se a leitora quisesse ficar famosa. Quanta maldade!!!
  Não gostaria de entrar na discussão sobre o que é feio ou bonito, mas o aspecto mais cruel dessas comparações é que, com palavras bem escolhidas, a matéria deprecia a mulher cada vez que ela não está no padrão de beleza proposto. Resumindo, diz que a leitora é feia e precisa ficar bonita ou então que se veste mal e precisa renovar o guarda-roupas.
  Não podemos pagar, nem R$ 2,00, para ler esse tipo de discriminação, não é mesmo?
  Outra questão importante é que a revistinha tem 50 páginas, mas não existem negros nas 20 destinadas às propagandas. Nas outras 30 só aparecem 4: dois artistas, que ilustram uma matéria sobre TV, e uma mulher acompanhada de um garoto, representando mãe e filho, numa matéria sobre bullying. Justamente sobre bullying. É o discurso discriminador que quer a pele branca como padrão!
  Ah, ela também dá a "dica" de como domar os cabelos, ou seja, supõe que alguém tem um tipo de cabelo que é visto como selvagem e que precisa ser domado. Que valoração estranha para madeixas naturais. A coluninha começa o parágrafo dizendo que "todo mundo sonha com um cabelo liso...". Claro, é assim que se incute uma ideia e se justifica a razão da tal "dica". Que matéria simpática, não é mesmo?
  Deixa pra lá, deve ser implicância minha por estar esperando para ser atendido.
  É melhor parar por aqui... :-)

Abraço e sucesso!

Um comentário:

Luz disse...

"E hoje a outra acordou assim: Bem eu, eu de mim. Unhas curtas, sem pintura e mesmo assim, felinas. Cara lavada, sem o cajal de costume e ainda formosa. O cabelo desgrenhado mas com toda forca e poder. Chinelo nos pés e saia ao vento. Pura tradução de liberdade. Olhar marcado no espelho e o espanto: Ufa! Quase esqueci quem era eu." (...)

Pois eh, Gui... o problema eh se deixar envolver pela midia sem nenhuma reflexão. Eu, sinceramente, sinto saudade de quando nos, mulheres, não parecíamos tanto. Não parecíamos umas com as outras como ovelhas tristes. Quando nos não fazíamos tantas exigências estéticas como escravas da beleza (beleza questionavel). Um dia eu estava vendo a colecao de uma revista masculina (1985 - 1999) de um tio. Menino, eu nunca vi tanta perereca, rosto e corpo diferente. Acho bonito assim. Tudo diverso. Estou numa fase em minha vida que estou tentando a pratica do desapego. Eu tinha uma mania de 'fazer' as unhas todo fim de semana. Pé e mão. Sagrado. Se não mudasse a cor do esmalte, eu não ficava satisfeita. Eu vi minha mãe fazer isso a vida toda e eu repetia sem qualquer reflexão. Depois de tanto tempo, estou me libertando. Acho que quando a mulher alcança uma certa maturidade, pode perceber que não e' o batom, roupa da moda ou cabelo liso que a faz sentir segura ou que seduz. E' quem somos de verdade e como lidamos com essa verdade. Em minha opinião, o legal da vaidade esta no limite que nos podemos da mesma.
Falando nesse assunto, você já reparou na quantidade de leitoras em blogues de maquiagem e moda? Pois eh, menino... que pena! Ser já não basta.